E estavam os dois ali, se encarnando. Já fazia algum tempo. Estavam num bar velho e mal cuidado, só que, quase sempre, lotado de adeptos a happy hours. Ele, de roupa social, cabelos curtos e óculos de grau forte, girava o dedo sobre a boca do copo de licor por várias vezes. Ela, com cabelos loiros longos, vestido preto um tanto quanto ousado, o encarava, apoiando o queixo numa das mãos.
Notaram que começou a tocar Cocaine, do Eric Clapton. O homem adorava Eric, mas aquela música o deixava realmente para baixo.
- E então – começou a moça – Não vamos fazer nada?
- Não, hoje não – respondeu, desanimado.
- Porque não.
- Porque não?
- Eu não quero.
- E desde quando você manda aqui?
- Desde que eu te comprei.
- E isso significa... ?
Calaram-se. Ele viu o garçom e levantou a mão, chamando-o.
- Se eu fosse você, parava com esse licor e passava pra mim.
Não deu ouvido.
O garçom chegou e ele pediu mais copinhos de licor.
- Senhor, acho melhor o senhor parar.
- E quem é você para dizer quando tenho que parar.
O garçom calou-se. Confirmou o pedido e saiu.
- Puxa – engraçou-se a mulher – Agora deu para...
Ele não estava dando atenção. Ela notou isso.
- Está tudo bem? – perguntou, rindo.
- Eu ainda estou te vendo – disse, encarando-a.
- Você devia estar acostumado.
- Eu ainda estou te vendo – repetiu, voltando a cabeça para o garçom, que chegava com o pedido.
Ele colocou na frente do senhor e saiu, dizendo o mesmo de sempre:
- Se precisar, é só chamar, senhor. Sirva-se bem.
- Ta, ta, ta – resmungou.
O garçom saiu e ficaram os dois sozinhos de novo. Ele bebeu um copo.
- Sabe, há quanto tempo você está comigo? – perguntou o homem.
- Não sei... Há uns cinco anos?
- Cinco anos – olhou para os copos por alguns segundos – É bastante tempo.
- É sim.
- Sabe, acho que estou cansado de você.
- Então me largue.
- Hei – disse, levantando a mão com o copo e apontando para ela – Você me desafia muito. Invisto até que bastante em você.
- Como se eu me importasse com isso. De uma forma ou de outra, você querendo ou não, vai me comprar e me levar pra casa, e vai fazer aquilo que você sempre faz e me excita.
Ele riu e bebeu mais um copo, olhando para o lado esquerdo do bar, notando um pessoal jogando bilhar e rindo alto.
- Aquele pessoal... – apontou para o grupo da mesa – Aquele pessoal compra seus serviços.
- Acho que só um. Os outros parecem ter outro tipo de serviço.
- Puxa, é bom saber.
- Saber...?
- De outros como eu.
- Não existem outros como você – disse, colocando a mão sobre o rosto dele – Ninguém.
Ela perguntou se ele já ia, notando que ele começou a levantar. Confirmou, bebendo o último copo. Colocou o dinheiro na mesa. Chamou o garçom, que conferiu rapidamente e agradeceu. Eles saíram e caminharam até o carro, um Imapala 2009. Entraram. Ele deu partida e seguiram por um tempo em silêncio.
- Pra onde estamos indo? – perguntou a mulher, sabendo a resposta.
- Para casa.
- Então decidiu que prefere eu?
- Prefiro.
Ela se aproximou acariciando-o e abraçando-o, começando a beijar seu pescoço.
- Então finalmente viu o quanto sou melhor, não é amor?
- Sim, mas que tal deixar eu dirigir?
- Por que não fazemos uma coisinha agora?
Ele fez uma expressão de raiva, seguida de desejo. Ele olhou para ela de lado. Apertou o volante e fechou os olhos. Ela o abraçou mais forte e disse suavemente em seu ouvido:
- Eu sei que você quer um pouco.
Ele largou do volante e a agarrou, com força e começou a beijá-la. O carro seguia desgovernado enquanto ele caia naquela armadilha, que levou não só ele a um trágico final.
- Droga... – disse o policial, examinando o Imapala arrebentado contra o outro carro.
- O que foi? – questionou o parceiro.
- Olha o que eu achei – disse, apontando para um saco de cocaína que estava ainda fechado.
- Como esse cara conseguiu cheirar dirigindo?
- Eu sei lá.
- Cada um que me aparece hoje...
Eles ficaram quietos. As pessoas paravam para olhar a situação e os carros diminuíam para olhar o incidente, que matará os dois motoristas envolvidos. Os polícias notaram que estavam tentando observar o que estava na mão deles.
- Esconde isso! Daqui a pouco vão ver.
- Nem venha querer cheirar mais que eu, Fred! – brincou, colocando no bolso e levantando.
Esse texto faz parte de Hilárias histórias típicas do novo século, que estou produzindo. Esse é o segundo, quem sabe hoje posto o primeiro, ou sei lá, nada.
Esse texto faz parte de Hilárias histórias típicas do novo século, que estou produzindo. Esse é o segundo, quem sabe hoje posto o primeiro, ou sei lá, nada.